Atitudes de gratidão e de ingratidão jogam no nosso mundo um jogo bastante complicado, cruel e descontrolado. Essas situações antagônicas podem se inverter constantemente no dia-a-dia, tornando impossível qualquer reação racional das pessoas.
Há aqueles que nos querem bem num momento e passam a ter uma relação tensa e aflitiva conosco no minuto seguinte. Gente azeda, de repente, melhora o humor e é capaz até de iniciar uma conversa amável. O manso se revela irado, o ríspido se tranqüiliza, quem nunca nos cumprimentou no trabalho, um dia, pergunta, bem intencionado, como vai a nossa família... A elasticidade das relações humanas comporta tudo isso. Pessoas são misteriosas e complexas, amontoados de paixões e dúvidas, ódios gratuitos, prejulgamentos, decisões precoces, amores precipitados, admirações não tão consolidadas assim, invejas, cobiças, fragilidades, ingenuidades.
Para abraçar toda essa diversidade anárquica de aspectos, talvez fosse possível dizer conclusivamente: pobre ser humano, tão cheio de carências.
Isso mesmo, a palavrinha central é carência. Fantasmas que nos atrapalham, cegam e nos atrasam por todos os lados. Ilusão de que todos os outros, todos sem exceção, estão numa condição de vida mais interessante, mais rica, mais próspera, mais feliz, mais plena - e, sobretudo, menos carente - do que a nossa. Para nós, restou apenas uma gigantesca negação, ficou irremediavelmente tarde, não temos o ingresso, a senha, o mapa para chegar lá. Nós fomos preteridos, nos atrasamos, estamos perdidos. Somos os injustiçados e não há nada o que se possa fazer. Sobrou pela frente um deserto de carência que devemos percorrer entristecidos e vingativos. Que triste tudo isso.
A idéia forte que poderia substituir esse complexo de carência que algema e subjuga é a idéia de bom. Que avanço de amadurecimento para a alma se entendêssemos que ao nosso lado e atrás da gente está e vem quem nos fará bom (e não apenas bem!). O bom contagiando, o bom transbordando, o bom subvertendo as amargas vidas que se arrastam malditas por aí, o bom se espraiando e contaminando com sua força e qualidade o espaço do humano nessa terra de desventuras, traições e deslealdades.
Deveríamos investir menos energia na imensa carência de gostar e de ser gostado e empregá-la melhor, para impelir o bom: receber sua influência, exercitá-lo e dele estar à mercê. A sempre sábia sabedoria popular diz: com os bons te juntarás se queres viver em paz. Chega-te aos bons e serás um deles. Não há bom que não possa melhorar. Quem é bom de verdade faz os outros melhores.
Assim, se formos bons para alguém, com o melhor propósito, e o resultado for nefasto, não devemos esmorecer. Depois da tempestade vem a bonança, o bom tempo no mar: o sossego, a serenidade a tranqüilidade; essa é a tripla recompensa do bom. Mais sábio a indicar esse caminho virtuoso foi São Paulo (o Apóstolo, não nossa agitada e confusa cidade), na Primeira Epístola aos Coríntios, capítulo 13, "Hino à Caridade". Merece ser lido.
Marina Gold/ Especial para o Terra
quarta-feira, 3 de setembro de 2008
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